22 Agosto, 2017
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28 Novembro, 2008 Ricardo Vargas

Desenras…quê?

In Executive Digest

Como português jamais me passaria pela cabeça negar o óbvio. Existe mesmo uma capacidade humana chamada desenrascanço.

 

 

 

 

Desenrascar algo é conseguir o impossível. Vencer circunstâncias adversas, encontrar uma solução no meio do nada. Conjugar elementos dispersos numa abordagem criativa que permite atingir o sublime: safarmo-nos contra todas as probabilidades.

 

Desenrascar-se é a manifestação superlativa da resolução de problemas. Quando ninguém dá nada por nós, um improviso contra-intuitivo conjura a Fortuna e vira a mesa a nosso favor. Sem saber muito bem como, safamo-nos.

 

O desenrascanço depende de uma boa dose de arrojo e do desconhecimento dos métodos formais de resolver um dado problema. É mais fácil pensar fora da caixa quando desconhecemos que a caixa existe. É exactamente por não saber muito bem o que fazer que agimos de forma imprevista e conseguimos uma vantagem momentânea que pode ser explorada a nosso favor. O resto é sentido de oportunidade. Ou oportunismo, conforme o caso.

 

Não sei se é uma capacidade genuinamente portuguesa, mas basta viver algum tempo em Portugal para reconhecer que a improvisação é muitas vezes a única forma de lidar com o que nos acontece.

 

Quando a burocracia, a cunha, o compadrio, a incompetência generalizada, a incapacidade de tomar decisões rápidas e assumir a sua responsabilidade, a falta de visão, a inveja, a falta de liderança, o azar e o mau-olhado nos paralisam, só nos resta mesmo apelar ao desenrascanço.

 

Podíamos, como outros fazem, tentar mudar a situação, educar os incompetentes, punir os prevaricadores, pedir responsabilidades, criar padrões de conduta e processos claros de recompensa mas aprendemos ao longo do tempo que nada disso vale a energia que consome.

 

Quando a inércia é muita só uma grande dose de desconforto a pode vencer. E uma boa crise traz sempre oportunidades a quem se souber desenrascar.

 

A Lei de Murphy não tem aplicação em Portugal. Sabemos que nem tudo o que pode correr mal em teoria corre mal na prática. “Entre mortos e feridos alguém há-de escapar” – dizemos com bonomia. No epicentro da crise algo nos ocorrerá como forma de evitar que as coisas escapem totalmente ao controlo. Por isso até deixamos que muitas coisas corram mal desde que consigamos uma solução de recurso para evitar que as coisas péssimas aconteçam.

 

Negar a importância de uma capacidade destas, quase mágica, seria desafiar o bom senso. Mas como qualquer ferramenta intelectual, o desenrascanço baseado em soluções de recurso tem o seu âmbito de aplicação. É importante quando o planeamento falha e a situação ameaça descontrolar-se. Mas gerir pessoas, empresas, projectos e tarefas com base no desenrascanço é um pouco como não arranjar os travões do carro porque ele tem airbag. “Se bater não se perde tudo” – é a lógica.

 

A estratégia, o planeamento e a capacidade de execução, combinados com mecanismos de avaliação e metodologias de melhoria contínua, mantendo a flexibilidade de actuação, são insubstituíveis. Não se opõem ao desenrascanço, da mesma maneira que o volante, a caixa de velocidades, o acelerador e o travão não se opõem ao airbag. A boa utilização dos primeiros faz com que o último fique reservado para as situações limite, onde é indispensável.

 

A eficiência requer um uso parcimonioso das ferramentas disponíveis para uma dada tarefa. Criar e deixar avolumar problemas acreditando que no fim da linha as coisas não correrão tão mal como poderiam potencialmente correr porque uma solução de recurso nos há-de aparecer não é desenrascanço, é outra coisa.

 

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