In Executive Digest
Quando entramos num avião, não passa pela cabeça de ninguém dirigir-se antes de mais ao cockpit para abordar o comandante e pedir-lhe: mostre-me o seu brevet, preciso de ter a certeza que tem as habilitações necessárias para dirigir este aparelho.
Se tivermos uma doença que necessite de cirurgia – e vou escolher uma menos grave para não perturbar ninguém – por exemplo: cataratas, e um amigo nos disser: “não te preocupes, eu opero te com a faca da cozinha, que está bem afiada”, só alguém totalmente fora da razão ou sob influência de uma dose massiva de alucinogénios pode achar isso uma boa ideia.
Porquê? Porque todos sabemos que há tarefas, ocupações ou actividades que não podem ser realizadas sem a qualificação necessária. Como têm um impacto elevado na vida das pessoas, ou mesmo na sua sobrevivência, exigimos que quem as realiza seja certificado através de um programa específico que as garanta. E sabemos que isso acontece com pilotos de aviação comercial e com cirurgiões, com arquitectos e com mecânicos. Todas as profissões que têm impacto na vida das pessoas exigem uma formação de base.
E o que dizer acerca da gestão de pessoas? Será que a forma como as pessoas são geridas influencia a sua vida? Os estudos apontam que sim. É uma das principais razões de insatisfação dos colaboradores de qualquer empresa. É uma fonte de problemas emocionais, de desajustamento com a função e com a vocação, uma razão para stress e dificuldades relacionais, depressões, absentismo e acidentes de trabalho. E nem sequer me refiro aos casos mais evidentes de assédio psicológico, refiro-me a todas as situações do quotidiano empresarial que designamos por “feitio difícil”, mas que na verdade poderiam ser adequadamente descritas como falta de competências para desempenhar a função de chefia.
Não é que quem a exerce seja totalmente culpado. As empresas em geral persistem em práticas obsoletas. Promovem o melhor electricista a chefe dos electricistas e esperam que ele seja um bom gestor de pessoas. Promovem o melhor programador a gestor e esperam que os seus conhecimentos de sistemas sejam suficientes para motivar e dinamizar os colaboradores. Por não haver clareza nos requisitos necessários para se desempenhar com sucesso a gestão de equipas, não se situa adequadamente o nível de exigência de quem é promovido.
É espantoso que não haja uma qualificação básica obrigatória para gerir pessoas. Acredita-se que “a experiência resolve tudo” quando se promove. A maior parte das vezes perde-se um bom executante e ganha-se um mau chefe. E a única coisa que a experiência garante é a replicação dos maus exemplos que fizeram connosco.
Precisamos de criar uma carta de condução de relações. Tal como a do trânsito teria diferentes categorias: relações de amizade, relações de chefia, relações amorosas, relações de trabalho, relações de prestação de serviço, relações de paternidade/maternidade, etc.
Se os mais recentes estudos sobre a felicidade demonstram que a qualidade das relações que cada pessoa consegue manter é o melhor preditor do seu bem-estar emocional, então todas as pessoas com quem nos relacionamos deveriam provar que estão habilitadas a fazê-lo. Muitos acidentes relacionais se poderiam evitar.
E que tal um sistema de pontos por infracção? Imagino muita gente a dizer ao chefe ou aos colegas: ”Lamento, mas vou ter de o autuar. Não está a cumprir as regras de uma relação saudável.” Há muita gente que ia perceber finalmente o que anda a estragar o mundo: eles próprios.