In Executive Digest
A ideia de comunidade assenta tradicionalmente nos conceitos de proximidade e de partilha.
É a partilha de uma geografia, de uma língua, de tradições comuns, de uma história, que nos torna compreensíveis uns para os outros. Por isso procuramos defendê-las, expandi-las, protegê-las das supostas ou reais investidas estrangeiras. Defendemos o nosso país como símbolo último do que somos, perante aqueles que representam o que não somos.
Mas ter nascido no mesmo pedaço de terra faz de nós uma comunidade? É por virmos ao mundo neste lugar que devemos considerá-lo “nosso”? E onde termina o que é “nosso”? É possível determinar as suas fronteiras?
Enquanto havia barreiras físicas, linguísticas, legais e económicas à livre circulação de pessoas, ideias e obras foi possível acreditar que o “lá fora” era diferente do “cá dentro”. Melhor ou pior, consoante a condição de cada um; ameaçador ou redentor, de acordo com as crenças pessoais ou com a manipulação de quem geria a informação; mas, fosse como fosse, diferente.
A comunicação global, proporcionada pelos meios electrónicos de que dispomos, com um custo irrisório, reduz a distância a zero e o tempo ao agora. Pelo caminho pulveriza todas as certezas que ainda pudéssemos ter acerca do que é uma comunidade.
Estou mais próximo do pastor de Sátão, ou do empreendedor de Madrid? Tenho mais ideias em comum com o jovem arrumador da minha rua ou com o professor de Psicologia de Londres? Acredita mais nas minhas metodologias de liderança o grande empresário de São Paulo ou o ultrapassado patrão português que esbanjou os subsídios da UE em carros?
Qual deles me entende melhor? Com qual deles tenho mais afinidades? É por falar a mesma língua que eu que os habitantes deste país são mais a minha comunidade?
A comunicação global permite a correcção de uma injustiça histórica: a pertença forçada. Já não temos que “ser da” comunidade de quem habita o mesmo país que nós. Os nossos públicos podem estar do outro lado do mundo e comunicar connosco em tempo real. As pessoas mais próximas de nós podem ser as mais distantes.
Através da comunicação global, os artistas cutting edge, os investigadores de ponta, os empresários de causas difíceis, os inovadores radicais, todos têm a possibilidade de conhecerem os seus iguais, de encontrarem os seus públicos, de trocarem ideias e de promoverem o benefício mútuo. As coisas importantes que definem uma comunidade.
E paradoxalmente descobrem que o “outro”, o “adversário”, o “diferente” estava “cá dentro”, era “um de nós”. Que quem se opunha era o vizinho, quem não entendia falava a mesma língua, quem não gostava era apenas a família.
É a aceitação das boas ideias “lá fora” antes de “cá dentro” que dinamita os conceitos de Portugal enquanto comunidade, país, pátria, nação. Não são os grandes interesses capitalistas, espanhóis, chineses, europeístas ou americanos. É a nossa tacanhez, a nossa ignorância, a inveja nacional.
A globalização não ameaça o local, antes o coloca no centro de tudo. Só que o local que interessa a cada um não é necessariamente o local onde se está, mas o local do centro da sua vida, da sua criação, da sua arte, dos seus interesses e negócios. É um local que pode ser criado em conjunto com outras pessoas que o desejem e nele acreditem. E que nem precisa de existência física para ser real.
A comunhão dos valores que propiciam a adaptação é o que define as comunidades que sobrevivem. Os países que não os tiverem tornar-se-ão abstracções para justificar o poder político e o exercício de interesses instalados. E enquanto a maioria “de nós” não entender estes conceitos, a minoria “de nós” que assim pensa terá mais público lá fora do que cá dentro.