In Exame, Abril 2007
Desenvolvimento de líderes
Quando o tema é desenvolvimento de líderes, a maioria das empresas olha para a formação. Em seguida descansa com a consciência tranquila de que “já estamos a fazer alguma coisa nessa área”. Isto acontece sobretudo porque quando se fala em desenvolvimento de pessoas assume-se que essa é uma atribuição do departamento de recursos humanos. Erradamente, porque há questões de tal modo estratégicas que devem ser tratadas ao mais alto nível dentro das empresas, sob pena de o seu CEO, Presidente ou Director Geral perder oportunidades de assumir ele próprio a liderança da equipa.
Infelizmente, vezes demais os top managers demitem-se de colocar as questões certas, permitindo que se confundam os sintomas com a doença. A formação é indispensável para o desenvolvimento de competências, mas o contributo destas para o alinhamento das pessoas com a estratégia da empresa nem sempre é escalpelizado como deveria. As empresas acabam assim por gastar recursos a tratar os sintomas, sem atacar a doença.
O objectivo do desenvolvimento de líderes em contexto empresarial deve ser responder à questão: como garantir que a equipa executa a estratégia da empresa da forma mais eficaz e eficiente possível? Se aceitarmos que a liderança pode acontecer em qualquer nível hierárquico de uma organização, então a preparação das chefias para a coordenação das suas equipas, de modo a garantir a execução da estratégia, passa a ser o principal problema da empresa, já que dele depende o sucesso da mesma.
A nova definição de liderança
Tradicionalmente, podemos situar os modelos de liderança em dois tipos:
- A liderança é uma característica da personalidade ou
- A liderança é um conjunto de comportamentos adquiríveis através de treino ou prática espontânea.
O primeiro tipo de definições implica que o cunho pessoal do líder, o seu carisma, é universalmente válido. Significa isto que o verdadeiro líder seria capaz de liderar virtualmente qualquer pessoa ou grupo na prossecução de uma causa.
O segundo tipo de teorias e metodologias nasceu em contexto empresarial, procurando identificar os aspectos semelhantes do comportamento de líderes bem-sucedidos. O seu resultado é habitualmente uma série de práticas que uma vez realizadas levariam a equipa ao sucesso: “faça o que Fulano fez na empresa dele e seja líder na sua.”
Defendo que nenhum destes modelos tradicionais leva em conta as restrições e especificidades das empresas, nem é especialmente útil para promover o necessário alinhamento de pessoas e estratégia empresarial.
Por um lado, uma simples análise das empresas bem-sucedidas leva-nos a ter que admitir que a maioria dos seus líderes nem são pessoas particularmente carismáticas, nem procuram as luzes da ribalta. Por outro lado, como quem gere equipas já sabe, por melhores que sejam as nossas características ou comportamentos, se tivermos uma equipa medíocre jamais lideraremos o que quer que seja.
A prosaica realidade das empresas lembra-nos que a equipa determina tanto como o líder a possibilidade de liderança, e que só se pode ser líder se as pessoas percebem a relação que têm connosco como essencial para atingir os seus objectivos. Se coagirmos alguém a seguir-nos deixamos de poder falar de uma relação de liderança.
Proponho assim uma nova definição do conceito: a liderança é um processo relacional, descrito como essencial para uma realização, por todas as pessoas nele envolvidas. Difere neste aspecto da Gestão, que, em termos relacionais, é o exercício de um poder formal, por parte do gestor, e a sua aceitação, por parte dos colaboradores, com o intuito de obter benefícios imediatos: salário, reconhecimento, progressão na carreira, etc.
A resposta à questão “o que é a liderança?” não está fechada na cabeça do líder, deve ao contrário ser procurada na relação entre todos os envolvidos. Na visão dos colaboradores o líder representa a conjugação possível ou ideal entre a realização dos seus objectivos individuais e do objectivo comum do grupo (missão, visão e estratégia da empresa).
No exercício da liderança o líder demonstra, ainda que por vezes apenas implicitamente, que existe uma unicidade entre o objectivo comum e os objectivos individuais de cada um. Essa demonstração não acontece de forma unilateral, partindo de uma intenção instrumental do líder, é antes um processo de construção conjunta da realidade desejada por todos. O seu resultado é o alinhamento entre a estratégia da empresa e os comportamentos individuais.
A liderança deve ser assim considerada uma propriedade das relações entre o gestor da equipa e os seus colaboradores, não podendo ser associada à chefia sem considerar um contexto e um processo de ocorrência.
É este processo de ocorrência que pode ser aprendido e dominado pelos gestores de pessoas de qualquer empresa, se for dividido em variáveis sequenciais e treinado. Se o fizermos estaremos focados em gerir pessoas de forma profissional, criando relações de qualidade orientadas para os objectivos e alinhadas com a estratégia da empresa, que é o melhor contexto para que o fenómeno a que chamamos liderança, pessoal ou empresarial, possa ocorrer.
Porque não é isto feito com maior frequência?
Barreiras mentais
O desenvolvimento de líderes é uma área de conhecimento muito permeável a modas. Os gestores de empresas, principais interessados nesse desenvolvimento, são sensíveis à necessidade de competitividade, e gostam de estar actualizados com as últimas ferramentas disponíveis; o que é positivo. No entanto, seguir modas também pode ser enganador.
Uma das dificuldades no desenvolvimento de competências de liderança é a atitude, que as pessoas muitas vezes manifestam, de busca de novidade pela novidade. Quando faço conferências ou seminários, sinto por vezes que as interrogações na cabeça das pessoas são: “O que tem para me ensinar que seja novo?” ou “Quão elegante é a sua teoria?”.
Conhecer a última palavra mágica acerca da liderança pode ter um efeito embriagante e dar-nos a ilusão de que sabemos mais sobre o tema. Assumimos que conhecemos a “realidade”, apenas por termos nomes para a descrever.
Do ponto de vista empresarial, o exercício da liderança só evolui se se reflectir nos resultados. Substituir o interesse em conhecimento teórico na área da liderança, por mais inovador que seja, pela preocupação genuína com a eficácia no relacionamento com os colaboradores é o primeiro passo para exercer a liderança de uma forma eficaz.
Neste sentido, a interrogação mais útil a colocar-se será: “O que posso aprender hoje que permita melhorar a minha prática de liderança?”. A capacidade de intervenção é, em última instância, o indicador de avaliação do líder na empresa. Confundir conhecimento teórico com eficácia costuma ser um erro fatal.
Líder não é quem se preocupa em sê-lo, mas quem acaba por tal se tornar como resultado das relações que estabelece com as pessoas. Liderar é, antes de mais, centrar-se no desenvolvimento dos colaboradores como factor de sucesso empresarial e como medida do seu próprio desenvolvimento. Estruturar as relações de coordenação de equipas para o conseguir, baseando o trabalho de todas as chefias numa linguagem e metodologias comuns, faz parte do compromisso que qualquer empresa deve estabelecer para realizar a sua visão e estratégia.