24 Junho, 2020
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24 Junho, 2020 Ricardo Vargas

Formação Transformacional

In Human Resources Portugal

Imagine que alguém lhe pergunta: é racista? É sexista? Com grande probabilidade, a sua resposta será negativa, ou no máximo admitirá ter pouco de cada uma dessas atitudes. E de acordo com o seu conhecimento de si próprio estará certo. Mas de acordo com a investigação em Psicologia Social, nem por isso. Quando postos perante uma tarefa de avaliação psicológica simples, num ecrã de computador: disparar sobre uma pessoa armada antes de ser abatido por ela, muitas pessoas que não se consideram racistas acabam por “matar” erradamente mais pessoas desarmadas com pele escura do que clara. Afinal, para eles os “maus” são os de pele escura.

Todos nós temos dois sistemas de atitudes, as atitudes explícitas, que se manifestam de forma consciente e influenciam os nossos comportamentos quando temos tempo de pensar e escolher uma resposta de acordo com valores desejados; e as atitudes implícitas, das quais não temos consciência e que influenciam os nossos comportamentos impulsivos, quando não temos tempo de pensar.

A melhor forma de medir as atitudes implícitas é através do tempo de reacção. Colocar a pessoa perante a situação e pedir uma resposta imediata. O comportamento automático representa a atitude implícita. E se a pessoa bloquear, ou precisar de tempo para escolher a resposta, está a tentar esconder uma atitude implícita oposta à explícita. Indesejável, portanto.

O exemplo inicial deste artigo é dramático, mas escolhamos outro. Imagine que quer identificar as atitudes das chefias da sua empresa em relação ao feedback ou ao desenvolvimento de colaboradores. Se lhes perguntar directamente, só um distraído diria ser contra o feedback ou o desenvolvimento das suas equipas. Mas se criar muita pressão para um comportamento imediato – e não se preocupe, a realidade do negócio vai fazê-lo por si – verá na prática que o feedback é descartável e que o desenvolvimento é perda de tempo. “Afinal, precisamos de resultados agora, para que me vou preocupar com competências que só serão necessárias amanhã?”

A mudança de atitudes exige uma tomada de consciência prévia sobre a atitude actual e as suas limitações.  

Esta é a dificuldade de trabalhar atitudes em formação. As pessoas estão convencidas de que a desculpa “não tenho tempo para implementar o método adequado” é aceitável, quando ela própria é uma manifestação do problema. A falta de tempo apenas mostra o quanto a pessoa é contra o método certo. Não é por ser rápido que o comportamento na situação real sai errado. A falta de tempo apenas demonstra o automatismo errado que já existe na pessoa, não o cria.

Perante estas situações, o desenvolvimento de competências pode pouco. Podemos ensinar aos formandos as melhores maneiras de dar feedback, podemos treinar as suas competências com exercícios e role-plays. Eles podem até aprender tudo. Mas se a sua atitude contra o feedback se mantiver lá, nada mudará no dia-a-dia. Quando confrontados com a exigência imediata de resposta sob pressão, sai asneira. Porquê?

 

 

Uma atitude é uma predisposição para agir de forma específica perante qualquer estímulo: pessoas, conceitos, acontecimentos. Pode ser positiva ou negativa. O sexismo, por exemplo, é uma predisposição negativa face a pessoas, conceitos ou acontecimentos que defendam a igualdade de género.

As atitudes individuais afectam o impacto da formação em duas fases: no momento da aquisição de competências e no momento de colocá-las em prática após a formação.

A orientação para a aprendizagem, a curiosidade, a abertura mental, são determinantes na capacidade de concentração e aquisição de competências durante a formação. Mas o esforço que os formandos vão fazer para implementar as competências adquiridas depende ainda: do seu nível de satisfação com a função; do grau de identificação e envolvimento emocional com a empresa; da sua orientação para transferir o que aprenderam para o local de trabalho. Tudo isto são atitudes que determinam o impacto de um programa de formação ainda antes de ele acontecer.1

Podemos aumentar conhecimentos, treinar habilidades, implementar o 70-20-10, distribuir pílulas de competências, role-plays, workshops, learning management systems, metodologias e modelos. Podemos fazê-lo melhor que ninguém, mas se não trabalharmos as atitudes dos participantes o sucesso será limitado.

A forma como se tem lidado com esta dificuldade nos últimos trinta anos tem sido aumentar a dimensão lúdica da aprendizagem. Primeiro com a formação experiencial, em eventos outdoor. Depois com simuladores, jogos e “dinâmicas” dentro da formação. Finalmente com eventos, vídeos inspiradores e gamification.

Todas estas metodologias continuam a ser importantes, nós próprios as usamos nos nossos programas, mas não chegam. O lúdico pode mesmo em alguns casos ser distractor. É importante que a aprendizagem seja divertida, mas a diversão nem sempre é aprendizagem. Tem de haver momentos lúdicos seguidos de momentos de sólido debriefing conceptual para ligação com a realidade. Mas é preciso mais.

A mudança de atitudes exige uma tomada de consciência prévia sobre a atitude actual e as suas limitações. É preciso criar a necessidade interna para mudar antes de trabalhar as competências. Estamos no século 21. A maioria das pessoas já leu algo sobre feedback ou liderança. E quando não leu basta googlar no telemóvel para ter acesso a todos os conteúdos gratuitamente.

Se as chefias conhecem as boas práticas porque não as implementam? Porque acham que já as implementam. Como a sua atitude explícita está alinhada com a implementação das metodologias desejadas, não se apercebem que o automatismo comportamental vai na direcção contrária. Sobretudo quando justificam essa discrepância com a falta de tempo. “Isto só aconteceu assim hoje por causa da urgência. Eu até sei como se faz.”

Demonstrar que não foi só hoje é o primeiro passo para uma tomada de consciência. Mas temos de ir mais longe. É importante expandir essa consciência ao quotidiano da chefia, torná-la um ponto de partida para a actividade de gestão de pessoas. Entender os diferentes tipos de atitudes favoráveis e desfavoráveis e trabalhar com cada tipo de forma positiva e produtiva. Sem hostilizar quem está contra, precisamos de convertê-lo à atitude desejada. Sem coagir, precisamos de mobilizar quem está apático. Sem cercear, precisamos de direcionar o voluntarismo excessivo, que cai facilmente em frustração contra os retardatários. E temos de abrir as portas a formas inovadoras de integrar as metodologias. Permitir que as pessoas se apropriem e transformem o que a empresa lhes dá.

É na intersecção dos esforços individuais e da empresa que a transformação acontece. A empresa precisa de ter as melhores pessoas, mas para isso tem de ser a melhor empresa.  

Tudo isto deve ser feito com uma integração harmoniosa de actividades dentro e fora de sala, de assessment e formação, de desenvolvimento de competências e alinhamento de atitudes, de diversão e trabalho profundo, de inspiração genérica e de técnicas neurocognitivas, de responsabilização e de autonomia. Não se trata de haver um método melhor do que os outros. Há é uma forma de integração dos diferentes métodos que permite extrair o melhor de cada um, que é melhor que a utilização separada – ou justaposta – dos diferentes métodos.

O cérebro humano pretende a máxima eficiência. E esta é atingida quando uma tarefa que demora tempo e custa esforço a ser feita, pode passar a ser realizada de forma automática, inconscientemente e em pouco tempo. Isto permite ao cérebro – e ao corpo – redirecionar os recursos para outras actividades. Do ponto de vista evolutivo, o organismo mais eficiente tem mais probabilidades de sobrevivência.

A formação para ser eficaz tem de reverter este processo. Voltar a tornar consciente o que é automático. Abrandar o processamento para corrigir os bugs. Para isso temos de manter a pessoa em desconforto existencial ao longo do processo de desenvolvimento. Ela tem de querer mais de si e das suas estratégias para se adaptar à nova realidade pretendida pela empresa.

Mas também temos de lhe fornecer alternativas mais eficientes do que a prática actual. Não conseguimos substituir algo que parece muito eficiente por algo que parece muito dispendioso.

Na Consulting House defendemos um modelo de Formação Transformacional. Que catalise reacções positivas nos participantes que permitam mais do que uma simples mudança de práticas. Um modelo que promova a alteração de atitudes de forma a criar a cultura e as competências desejadas. Que apoie a empresa no sentido de desenvolver em cada pessoa o colaborador que pretende. E que apoie cada colaborador a criar a empresa em que quer trabalhar.

É na intersecção dos esforços individuais e da empresa que a transformação acontece. A empresa precisa de ter as melhores pessoas, mas para isso tem de ser a melhor empresa. Todos queremos estar na melhor empresa, mas para isso precisamos de ser os melhores profissionais. Quando criamos uma dinâmica em que o desenvolvimento de um e o desenvolvimento de todos se promovem mutuamente, de forma prática no quotidiano, a transformação acontece. As pessoas transformam a empresa e a empresa transforma as pessoas.

1Spector, 1997; Meyer & Allen, 1997; Yamnil & McLean, 2001; Velada & Caetano, 2007; Chen & Mathieu, 2008.

 Artigo originalmente publicado a 26 de junho de 2017

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