In O Poder das Ideias, Abril 2005
Todos os problemas são problemas de liderança
Quando analisamos o funcionamento das empresas, a gestão aparece, mais tarde ou mais cedo, como um factor causal importante em tudo o que acontece. Quer se trate de uma questão de qualidade, ética, desempenho, produtividade, processos, serviço, cultura ou outra, quem gere pessoas é, em última instância, responsável pelo seu desempenho. Mesmo que a causa imediata do sucesso ou insucesso seja a equipa, quem seleccionou, treinou, avaliou, recompensou, promoveu cada um dos seus elementos, desenhou ou aprovou os sistemas e processos de trabalho, comprou ou contratou os equipamentos e a tecnologia, tem uma quota-parte de responsabilidade no resultado final.
É possível que o gestor se escude nos limites legais impostos pela função para defender a sua “inocência” face a problemas (em geral não tanto face a sucessos) mas, na prática, a responsabilidade moral e ética, pelos resultados da sua equipa acaba por ser dele. Entender o impacto das suas acções e omissões no comportamento dos colaboradores e sentir-se responsável pelo funcionamento da equipa é uma das atitudes em que o líder se diferencia do gestor. No entanto, muitas vezes acontece os gestores não assumirem essa responsabilidade, inviabilizando um exercício efectivo da sua capacidade de liderança.
O objectivo do desenvolvimento de líderes em contexto empresarial deve ser responder à questão: como garantir que a equipa executa a estratégia da empresa da forma mais eficaz e eficiente possível?
Se aceitarmos que a liderança pode acontecer em qualquer nível hierárquico de uma organização, então a preparação das chefias para a coordenação das suas equipas, de modo a garantir a execução da estratégia, passa a ser o principal problema da empresa, já que dele depende o sucesso da mesma. Neste como em muitos outros campos, aplica-se o velho provérbio oriental: “Quando o sábio aponta para a lua, o néscio olha para o dedo”.
Os aspectos mais visíveis do desenvolvimento de competências de liderança são a “formação”, os “cursos”, os “seminários”, as “técnicas” e as “metodologias”. Os aspectos menos visíveis são as respostas a perguntas concretas: como é que as metodologias de gestão de pessoas vão ajudar as chefias a implementar a estratégia da empresa? Que problemas reais das equipas e da organização resolvem? Que mensagens comunicamos a todos os colaboradores com a utilização destas metodologias? Que cultura empresarial melhor apoia a realização das metas desejadas? Como conseguir desenvolvê-la?
Quando se aponta o tema do desenvolvimento de líderes, a maioria das empresas olha para a formação. Em seguida descansa com a consciência tranquila de que “já estamos a fazer alguma coisa nessa área”. Isto acontece sobretudo porque quando se fala em desenvolvimento de pessoas assume-se (erroneamente) que essa é uma atribuição do departamento de recursos humanos. Há questões que são de tal modo estratégicas que devem ser tratadas ao mais alto nível dentro das empresas, sob pena de o seu CEO, Presidente ou Director Geral perder oportunidades de assumir ele próprio a liderança da sua equipa.
Infelizmente, vezes demais os top managers demitem-se de colocar as questões certas, permitindo que se confundam os sintomas com a doença. A formação é indispensável para o desenvolvimento de competências, mas o contributo destas para o alinhamento das pessoas com a estratégia da empresa nem sempre é escalpelizado como deveria. As empresas acabam assim por gastar recursos a tratar os sintomas, sem atacar a doença.
A implementação da estratégia
Para que uma estratégia empresarial seja implementada é preciso saber para onde queremos ir e onde estamos. O primeiro é o domínio da visão, o segundo é o da capacidade real. A ligação entre ambos depende de uma eficiente comunicação de informação entre todos os níveis da hierarquia. Quanto mais elevado é o nível hierárquico de alguém, mais essa pessoa terá informação sobre o domínio da visão e menos sobre o domínio das capacidades reais da empresa. Quanto mais baixo for o nível hierárquico, o oposto acontece.
Se a visão estiver muito além das capacidades reais da empresa, o desperdício de recursos será inevitável. Se a visão estiver muito próximo das capacidades reais, o desperdício de oportunidades será inevitável. O aproveitamento equilibrado de oportunidades e recursos depende da congruência entre estes dois domínios. As intervenções de liderança devem ser capazes de promover esta congruência, alinhando as acções de toda a hierarquia da empresa, baseando-as em informação estratégica relevante.
A forma como as chefias lidam habitualmente com este problema é curiosa: de cima para baixo ouvem as pessoas em quem confiam, quanto à análise das capacidades reais da equipa, de baixo para cima ouvem as pessoas em quem confiam, para saber quais as acções que devem ser realmente implementadas, para não desperdiçarem os recursos da sua equipa. Como a distribuição da confiança nas empresas é feita de forma limitada, a eficácia da implementação da estratégia depende muitas vezes da capacidade de funcionamento da teia de lealdades pessoais existentes entre quem decide a estratégia e quem a implementa.
Um dos sinais de que esta é a situação em curso numa empresa é os executivos envolverem-se em actividades abaixo do seu nível hierárquico. As justificações são sempre muitas mas na prática existe uma causa comum a todas elas: falta de confiança na competência ou na ética dos membros da equipa para implementarem o que se espera deles. Por isso, em vez de fazerem o coaching dos seus colaboradores na realização da função, os gestores fazem a função em vez dos colaboradores, por vezes com o coaching deles.
Se a implementação da estratégia de uma empresa depende da preparação das suas chefias porque é que as empresas portuguesas investem tão pouco no desenvolvimento dos seus quadros1?
O desenvolvimento de líderes em contexto empresarial tem chocado num conjunto de barreiras organizacionais, culturais, psicológicas e de mercado, que faz com que em Portugal a preparação média dos gestores seja ainda considerada baixa quando comparada com os padrões internacionais.
Requisitos para uma solução adequada
Uma solução adequada para o problema do desenvolvimento de líderes em contexto empresarial deve:
1. Ligar a visão da empresa com as suas capacidades reais. Como já vimos este é um ponto crítico nos projectos de desenvolvimento empresarial. Qualquer projecto de desenvolvimento deve responder à necessidade de aproximar as capacidades reais da empresa da sua visão.
2. Fornecer respostas realistas para problemas reais. As soluções irrealistas para problemas de gestão de equipas incluem, por exemplo: “aconselhar” o gestor a mudar de estilo, a desenvolver pontos fracos do seu perfil psicológico cuja ligação com a estratégia da empresa é inexistente, a adquirir práticas de comunicação genéricas sem contexto empresarial evidente, a desenvolver competências emocionais de operacionalização duvidosa, a trabalhar componentes físicas em actividades outdoor cuja relação com a empresa é apenas metafórica, a praticar listas aleatórias de comportamentos de incentivo e dicas de trabalho com a equipa, a passar por sessões de inspiração desligadas do funcionamento da equipa. As soluções realistas respondem a uma questão simples: o que vou fazer, como, quando e porquê para que a minha equipa implemente a estratégia da empresa, resolvendo os problemas que enfrentamos no quotidiano?
3. Ter um modelo sólido. Para que seja credível, uma abordagem ao desenvolvimento de líderes deve ter: um modelo teórico subjacente, uma metodologia de implementação relacionada, critérios de aplicação e refutabilidade, e a possibilidade de avaliação do seu impacto. O modelo teórico subjacente deve fazer mais do que basear-se numa estatística recolhida em x empresas, deve integrar o conhecimento científico relevante numa abordagem coerente.
Quatro acções para alcançar a visão a partir das capacidades reais
A visão de uma empresa é uma imagem dividida em milhares de peças de um puzzle que deve ser cuidadosamente montado. Ao contrário dos puzzles em cartão, nos quais cada peça tem contornos definidos e um pedaço da imagem definitivamente impresso, no mundo empresarial as peças mudam de formato ao longo do jogo, saindo do encaixe prévio, e muitas vezes a imagem não existe à partida, tem que ser desenhada passo a passo para que peças aleatórias façam sentido juntas. O caminho para a realização da visão empresarial é estreito e cheio de obstáculos.
A primeira dificuldade é a operacionalização de uma boa estratégia global. Mas essa dificuldade em nada se compara à implementação da estratégia definida, desdobrada em acções concretas.
Em qualquer empresa coincidem duas dimensões diferentes: a dimensão material (estrutura, processos, tecnologia) e a dimensão imaterial (ética, cultura, normas tácitas). Para que o planeamento estratégico seja concretizado é indispensável o concurso de ambas.
Enquanto a dimensão material é o foco habitual do trabalho de gestão, através do planeamento estratégico detalhado por áreas e do controlo de recursos disponíveis, a dimensão imaterial considera-se habitualmente ingerível, pelo que poucas ou nenhumas acções são desenhadas para a trabalhar. Como o próprio nome indica (imaterial) trata-se de uma dimensão diferente, pelo que os processos para a gerir terão que ser diferentes, mas a falta de conhecimento ou preparação para os utilizar não deve levar-nos a afirmar que não existem.
São as acções das pessoas que, em conjunto, realizam os processos e a cultura, movem a tecnologia e criam uma ética. É no seu trabalho que coincidem ambas as dimensões. Partindo deste princípio, é na gestão dos colaboradores da empresa que se decidem os seus aspectos materiais e imateriais.
Globalmente poderíamos representar o trabalho de alinhamento da empresa com a Missão e a Visão da seguinte forma2:
Alinhar a empresa com a Missão e a Visão desejada é sinónimo de alinhar os comportamentos dos seus colaboradores com o que é necessário realizar, tanto na dimensão material como na imaterial. A primeira determina as competências necessárias para que a estratégia seja concretizada, a segunda determina as atitudes necessárias para que a cultura da empresa fomente essa concretização. Em conjunto, competências e atitudes dos colaboradores são o material de trabalho que o líder tem para atingir a visão e realizar a missão da empresa, e é só o que precisa.
Estruturar esse trabalho de alinhamento exige quatro acções que concorrem para a realização da visão a partir das capacidades reais:
1. Implementação da estratégia
2. Diagnóstico das capacidades reais
3. Desenvolvimento de competências
4. Alinhamento de atitudes
A implementação da estratégia implica, no que concerne à gestão de pessoas, duas actividades concretas: responsabilizar os colaboradores pela realização de tarefas indispensáveis ao alcance da visão e fazer o coaching da sua evolução na função, à medida que a equipa responde às necessidades do mercado.
Articuladamente, responsabilização e coaching são duas ferramentas que permitem a utilização das capacidades reais das pessoas ao seu nível máximo. Esta só é conseguida se implementarmos na empresa um processo de libertação de responsabilidades, com o objectivo de fazer com que as pessoas de cada nível hierárquico adquiram, de forma estruturada, responsabilidades do nível hierárquico superior ao seu. Só assim conseguimos que a empresa progrida no sentido desejado, adquirindo globalmente responsabilidade no mercado pelas tarefas que a levem a alcançar a visão.
As capacidades reais da empresa no que diz respeito aos recursos humanos são o somatório das capacidades reais dos seus colaboradores, em competências técnicas para responder aos desafios e em atitudes perante o trabalho, o cliente, a empresa, a chefia, etc. Não podemos esperar, por exemplo, que uma empresa tenha uma elevada performance se os seus colaboradores são tecnicamente incompetentes para a implementação dos processos de trabalho necessários ou se têm défices nas atitudes: orientação para resultados, rigor, responsabilidade e iniciativa.
Assim, o diagnóstico das capacidades reais dos recursos humanos deve incidir, equipa a equipa, pessoa a pessoa, no diagnóstico das competências e atitudes necessárias para atingir a visão empresarial.
Evidentemente, uma vez diagnosticada a diferença entre a capacidade real e a necessária, é preciso implementar processos de resolução de problemas adequados a cada tipo de défice: desenvolvimento de competências ou alinhamento de atitudes.
As quatro acções podem ser representadas num fluxograma único, de forma integrada, no qual os três pontos centrais de tomada de decisão representam o diagnóstico de capacidades reais3.
Torna-se então necessário entender “como” podem estas quatro acções ser realizadas por chefias de qualquer nível hierárquico. Este é o segundo requisito para uma solução adequada ao desenvolvimento de líderes em contexto empresarial.
A resolução de problemas reais
Cada um dos processos descritos no fluxograma anterior é constituído um conjunto de passos estruturados, com objectivos específicos a atingir, que podem ser aplicados a situações reais das chefias de qualquer empresa, em qualquer sector de actividade. Trata-se de processos que estruturam a relação de gestão de pessoas de forma eficiente, independentemente do estilo utilizado para segui-los.
A formação em competências de comunicação, resolução de problemas, metodologias de formação, inteligência emocional, técnicas de delegação, feedback, gestão de conflitos, que habitualmente são genericamente tratadas, devem ser incorporadas na forma e conteúdo que melhor permitem aos líderes ajudar a equipa a atingir os seus objectivos: processos comportamentais de gestão de pessoas.
A operacionalização em processos comportamentais permite a monitorização da evolução das chefias, uma aprendizagem mais rápida e a avaliação do impacto do projecto de desenvolvimento com maior eficácia do que se for utilizada a formação genérica. Permite ainda responder com clareza à pergunta que todos os participantes em projectos de desenvolvimento empresarial apresentam: o que é que eu ganho com isso?
O desenvolvimento de competências de gestão de pessoas e equipas deve ser capaz de responder, durante a fase de aquisição de competências, a todos os tipos de problemas apresentados pelas chefias, indicando claramente o quê, como, porquê e quando tem que ser feito pela chefia para que a sua equipa melhor se posicione no mercado.
A utilização dos problemas reais da empresa como fonte de aprendizagem, em estudos de caso, e um plano de acção para o desenvolvimento da equipa devem ser conjugados para potenciar o impacto da aquisição de competências na realização da estratégia.
O modelo subjacente
Como já defendi, os processos de desenvolvimento de líderes não devem ser confundidos com a tradicional formação profissional. A sua subordinação à missão, visão e estratégia empresariais obrigam a alguns cuidados na operacionalização da intervenção.
A maior parte das metodologias de liderança é omissa em relação a um ponto importante: em que circunstâncias não funciona, isto é, quais são os seus critérios de aplicação e refutabilidade? Como na maior parte das vezes se trata de modelos teóricos, deixa-se o “pormenor” da ligação com a realidade aos participantes no processo, tornando-os automaticamente responsáveis por qualquer falha de implementação.
Utilizando uma metodologia tradicional, alguém pode concluir, por exemplo: “O défice de motivação na minha equipa deve-se ao meu estilo autoritário, pelo que se não conseguir tornar-me mais democrático esse défice manter-se-á.” A culpa está presente, mesmo que por vezes não seja verbalizada, nem seja explicitada a ligação entre o autoritarismo e a motivação. É ao gestor da equipa que cabe descobrir como implementar a solução e qual a ligação desta com o problema inicial.
A principal razão para que este fenómeno se mantenha é a falta de operacionalização de variáveis nos modelos de intervenção tradicionais. Quais são as variáveis relevantes para que uma pessoa modifique o seu comportamento? Basta o estilo e comportamento do líder? É necessário ter em conta a motivação do próprio? Qual o papel da cultura da empresa? E a importância do sector de actividade?
A falta de critérios de qualidade claros para o desenho de processos de desenvolvimento de líderes leva a que, demasiadas vezes, as empresas comprem gato por lebre. O modelo que apresento tem um requisito prévio: que a empresa queira descentralizar um conjunto de processos e decisões para níveis mais baixos da hierarquia, usando-os como instrumento de desenvolvimento de pessoas, para ganhar flexibilidade e produtividade. A monitorização do processo e a avaliação do seu impacto são desenhadas em função desse requisito e respeitando a lógica do sector de mercado.
Não se trata assim de “ensinar” às chefias como podem usar técnicas de liderança para mobilizar os seus colaboradores, trata-se antes de treinar as chefias na realização mais eficaz do seu trabalho de gestão de pessoas, utilizando metodologias testadas e com critérios de aplicabilidade e avaliação definidos.
Isto obriga a uma redefinição do fenómeno da liderança em contexto empresarial, que faz parte do modelo subjacente às metodologias que proponho.
A nova definição de liderança
Tradicionalmente, podemos situar as investigações sobre o tema da liderança entre dois pólos explicativos:
– A liderança é um traço de personalidade4, uma forma de ser do líder, que lhe permite um exercício mais ou menos universal da liderança perante todos os tipos de pessoas, ou
– A liderança é um conjunto de comportamentos ou guiões de comportamentos adquiríveis atra-és de treino ou prática espontânea.
O primeiro tipo de explicações foi muito influenciado pela análise da vida dos grandes líderes históricos, e do seu posicionamento face a grupos sociais extensos, que foram por eles influenciados. O cunho pessoal do líder, o seu carisma, é nestas abordagens considerado como universalmente válido. Significa isto que o verdadeiro líder seria capaz de liderar virtualmente qualquer pessoa ou grupo na prossecução de uma causa.
O segundo agrupamento de teorias e metodologias defende que a liderança é um rótulo lato para conjuntos de comportamentos que o líder aplica no seu relacionamento com os outros, procurando influenciar o comportamento deles. Esta abordagem nasceu de investigações em contexto empresarial, procurando identificar os aspectos semelhantes do comportamento de líderes bem-sucedidos. O seu resultado é habitualmente uma série de práticas, ou listas de comportamentos, que uma vez realizados levariam a equipa ao sucesso.
Embora pareçam muito diferentes, estes modelos tradicionais partilham em comum:
– a crença de que a chave para entender a liderança está “na cabeça do líder”, na sua personalidade ou no seu comportamento;
– a crença de que não existem restrições ao exercício da liderança nas empresas, assumindo que o mesmo depende apenas de factores internos do líder;
– a crença na distinção clara entre diagnóstico e intervenção em grupos humanos, no sentido em que o líder seria capaz de diagnosticar objectivamente a realidade do que a equipa é e determinar um curso de acção para ela de forma unilateral.
No seu conjunto, estas crenças demonstram que os modelos tradicionais partilham um paradigma mecanicista na explicação da liderança, pouco adequado ao entendimento dos fenómenos humanos.
A prosaica realidade das empresas lembra-nos constantemente que é necessário ter colaboradores para se ser líder, que não é possível liderar contra a vontade alheia e que as escolhas individuais são determinantes no comportamento humano. Só se pode ser líder se as pessoas percebem a relação que têm connosco como essencial para atingir os seus objectivos. Se coagirmos alguém a seguir-nos deixamos de poder falar de uma relação de liderança.
Proponho assim a redefinição do conceito de liderança como: um processo relacional, descrito como essencial para uma realização, por todas as pessoas nele envolvidas. Difere neste aspecto da Gestão, que, em termos relacionais, é o exercício de um poder formal, por parte do gestor, e a sua aceitação, por parte dos colaboradores, com o intuito de obter benefícios imediatos: salário, reconhecimento, progressão na carreira, etc.
A resposta à questão “o que é a liderança?” não está fechada na cabeça do líder, deve ao contrário ser procurada na relação entre todos os envolvidos. A liderança é um processo relacional específico, baseado em percepções e informação, com um resultado desejado comum a todos os envolvidos, mas no qual cada interveniente determina o seu próprio comportamento.
Os colaboradores não são autómatos que reagem às intervenções do líder de forma previsível: “se eu aplicar o estilo 1 terei o resultado A”, “se eu aplicar o comportamento X terei o resultado Y”, como parecem defender os modelos tradicionais. A dinâmica do funcionamento de uma relação não é captada em variáveis estáticas e em técnicas unidireccionais. Daqui resulta a baixa eficácia da implementação destas abordagens em situação real: a complexidade do funcionamento de uma relação surpreende quem não está preparado para a identificar e lidar com ela.
Na visão dos colaboradores o líder representa a conjugação possível ou ideal entre a realização dos seus objectivos individuais e do objectivo comum do grupo (missão, visão e estratégia da empresa). No exercício da liderança o líder demonstra, ainda que por vezes apenas implicitamente, que existe uma unicidade entre o objectivo comum e os objectivos individuais de cada um. Essa demonstração não acontece de forma unilateral, partindo de uma intenção instrumental do líder, é antes um processo de construção conjunta da realidade desejada por todos.
A liderança deve ser assim redefinida como uma propriedade das relações entre o gestor da equipa e os seus colaboradores, não podendo ser associada à chefia sem considerar um contexto e um processo de ocorrência.
É este processo de ocorrência que pode ser entendido e dominado pelos coordenadores de equipas de qualquer empresa, se for dividido em variáveis sequenciais e treinado. Isto não significa que possamos garantir o resultado final, isto é, que os colaboradores considerem as suas chefias como líderes, já que isso depende da sua percepção e informação processada. Significa antes que estaremos focados em gerir pessoas de forma profissional, criando relações de qualidade orientadas para os objectivos e alinhadas com a estratégia da empresa, que é o melhor contexto para que o fenómeno a que chamamos liderança possa ocorrer.
Da mesma forma que em certos momentos nos sentimos mais próximos dos nossos amigos do que noutros, por vezes os colaboradores sentem que o seu gestor é líder (isto é, atribuem à relação essa característica), outras não. A liderança deve deixar de ser considerada uma qualidade fixa da pessoa, para ser considerada uma qualidade impermanente da relação. Como tal, estará às vezes presente, outras ausente, da realidade do funcionamento da equipa.
O bom líder é o que não se preocupa em sê-lo, mas que acaba por o ser como resultado das relações que estabelece com as pessoas. Liderar é, antes de mais, centrar-se no desenvolvimento dos colaboradores como factor de sucesso empresarial e como medida do seu próprio desenvolvimento. Estruturar as relações de coordenação de equipas para o conseguir faz parte do compromisso que qualquer empresa deve estabelecer para realizar a sua visão.
A liderança não existe, acontece.
1 Segundo dados do IMD (“World Competitiveness Yearbook 2003) Portugal está em 29º lugar em 29 países no que diz respeito à prioridade dada à formação nas empresas, apesar de estar, de acordo com a mesma fonte, em 28º lugar nas competências técnicas disponíveis na força de trabalho e em 29º lugar na ligação entre a educação universitária e as necessidades de uma econo-mia competitiva.
2 Vargas, R. (2005) Os Meios Justificam os Fins – Gestão baseada em valores: da ética individual à ética empresarial, Gradiva, Lis-boa
3 Vargas, R. (2004) A Arte de Tornar-se Inútil – Desenvolvendo líderes para vencer desafios, Gradiva, Lisboa.
4 Traço ou factor de personalidade, seria uma característica psico-lógica do indivíduo (como, por exemplo, sociabilidade ou impulsi-vidade) considerada relativamente estável ao longo do tempo e passível de medição utilizando um questionário adequado. De acordo com algumas teorias, a personalidade seria constituída por um conjunto de traços ou factores, cuja variação de intensi-dade produziria as diferenças observáveis no comportamento e forma de ser de diferentes indivíduos. São por isso chamadas Teorias de Traço.