In Executive Digest
Portugal é o país das pessoas que “andam por aí”, que “ficam por aí” ou que “nunca saíram daí”. As empresas, os ministérios, os poderes locais e centrais, as instituições, os autocarros e as ruas estão cheios delas. É praticamente impossível levar a cabo qualquer projecto numa empresa sem precisar da decisão ou interferência de alguém “que ande por aí”.
Como é que um país historicamente tão exposto ao mundo e que lançou vagas de descobridores e conquistadores tem hoje tantas pessoas que simplesmente “andam por aí”?
Por ser um país pequeno e tradicionalista. Nos meios pequenos e fechados, ainda que apenas mentalmente, “estar por aí” conta, é um factor relevante. Na falta de melhores critérios de avaliação, como a qualidade ou produtividade do trabalho, a dimensão física da presença aparece como factual, incontornável. É um critério objectivo. Afinal, se alguém se mantém tanto tempo numa dada posição, papel ou circunstância é porque certamente existem boas razões para isso. Mesmo que ninguém as entenda, pensa sempre que outrem as conhecerá, pelo que não se questiona sobre o facto.
Diferentes das pessoas que “chegam aqui”, ou das pessoas que “partem daqui”, as pessoas que “por aqui andam” têm o condão de ser muito visíveis, de se tornar boas fontes de referências. Acumulam conhecimento, tornando-se uma enciclopédia de factos sobre a organização ou comunidade. Isso mesmo é valorizado pelos outros, os que “querem fazer algo aqui”, já que a eles devem recorrem para conseguir passar os seus projectos e intenções.
Por isso acaba por ser dada uma importância à sua presença que aparece quase desligada das reais qualidades que possam possuir. Estar presente torna-se a sua principal qualidade. “Ele já faz parte da mobília.” Ele representa o património histórico da empresa/do partido/da comunidade/da instituição.” “Ele é o elo com a história da organização.” “Sabes há quantos anos ele está neste negócio?”
Desconfiamos das pessoas que “chegam aqui”. Essas tendem a trazer visões diferentes, maneiras estranhas de estar, ser ou fazer. E isso acaba por chocar, mais tarde ou mais cedo, com a maneira como as coisas se fazem “por aqui”. Claro que a maneira como as coisas se fazem é regida pelas pessoas que “andam por aí”.
Partir é morrer um pouco. Não por causa da saudade, como canta o fado, mas porque neste país, a ousadia de sair, de buscar melhores paragens e de se desenvolver, é paga com o esquecimento. Eliminamos da nossa memória as pessoas que daqui partem. Temos a maior percentagem de fuga de cérebros da OCDE. Situamo-nos, nesse indicador, entre a Costa Rica e o Malawi. Vinte por cento dos nossos licenciados vivem fora do país. Ao mesmo tempo temos a menor taxa de licenciados da Europa. E vivemos bem com isso. Brilhante. Não só deixamos que os cérebros nos quais investimos saiam, como não temos uma estratégia para os trazer de volta. Não sabemos quem são, onde trabalham, quais as suas competências, como podem ser utilizadas pelas empresas portuguesas. Tudo questões acessórias, porque eles não “estão por aqui”.
Mas não nos preocupamos, porque as pessoas que “andam por aí” vão continuar a “andar por aí”, mantendo o status quo e tranquilizando-nos. Utilizando sabiamente o seu conhecimento do passado para nos provar que sabem tudo o que o futuro trará.
Estes pressupostos só se mantêm porque nós os mantemos. Em vez de ter critérios claros de competência e mérito para decidir quem merece “trabalhar aqui”, achamos que a antiguidade é um posto. Em vez de procurar encaixar nos lugares disponíveis as pessoas que melhor garantem o sucesso das organizações, de onde quer que venham, damos preferência a quem é conhecido. Em vez de questionar para obter respostas preferimos deixar que quem “anda por aí” nas empresas tome conta delas.
Artigo orginalmente publicado a 12 de Abril de 2007