In Human Premium
O meu amigo chegou ao almoço combinado com um ar enjoado. “Não sei se vou comer grande coisa”, anunciou. “Passei a manhã numa fábrica de fiambre. Se as pessoas soubessem como é feito o fiambre, nunca mais o comiam.”
Ele ainda começou a explicar, mas eu já tinha escolhido favas com entrecosto e decidi não deixar que nada se interpusesse entre mim e as favas de Maio. A verdade é que ninguém quer saber como é feito o fiambre. Só isso nos permite continuar a comê-lo.
O mesmo se passa com a liderança. As pessoas preferem pensar que ser um líder de sucesso acontece sem esforço. Só isso lhes permite continuar a não fazer o que é preciso para atingir o patamar que dizem que gostariam de ter, e sentir- se bem com isso. Ouvir falar do que têm de fazer para lá chegar não lhes cai bem.
É mais fácil acreditar na mezinha da moda. Sobretudo se for um modelo que coloque as coisas e pessoas em caixas: os quatro tipos de liderança, os quatro estilos de comunicação, os sete hábitos, os doze papéis, os três níveis… A sério? Mais de sete mil milhões de pessoas no mundo vão caber todas em quatro caixas?
Outra coisa que resulta é pegar em princípios genéricos e basear neles uma abordagem à liderança.
Quanto mais New Age melhor: Zen, mindfulness, felicidade, vulnerabilidade… Todos juntos ou separados vendem livros e cursos onde os putativos líderes vão olhar para o umbigo em vez de olhar para fora.
Eu trabalho há mais de vinte anos no desenvolvimento de líderes. Executive coaching, palestras, desenho e implementação de academias de liderança, universidades corporativas, formação, eficácia de equipas de gestão, leadership assessments. Já implementei projectos de desenvolvimento de líderes em dezanove países de quatro continentes, abrangendo dezenas de milhares de pessoas. E a diferença entre um líder de sucesso e um capataz é simples de entender.
A liderança é a capacidade de transformar os outros através da relação que estabelecemos com eles. Para melhor, claro. Um líder é alguém de quem os colaboradores dizem: “Sou uma pessoa melhor (ou um profissional melhor) por ter trabalhado com ele(a).” Se a sua equipa não diz isto de si, não importa em que caixas os coloca ou quanta vulnerabilidade consegue mostrar, líder não é.
Para realizar esta transformação em contexto empresarial é preciso estruturar as relações com as “suas” pessoas de forma a atingir um conjunto complexo de objectivos que provêm: da estratégia e cultura da empresa, das motivações e valores individuais seus e de cada pessoa, do momento no mercado, da sua missão, do desempenho da equipa, entre outros.
E isto não vai lá com modelos de caixinhas ou metafísica. É mesmo necessário trabalhar. Entender para cada pessoa qual a transformação pessoal que melhor se enquadra com o desenvolvimento da equipa e com o atingimento dos objectivos da empresa. E criar com ela a oportunidade de mudar. Em qualquer empresa é possível implementar metodologias e processos que resolvam os problemas reais das equipas e implementem a estratégia da empresa ao mesmo tempo que dão significado à experiência de trabalho quotidiana das pessoas, aumentando os seus compromisso e satisfação.
É eficaz e sustentável, mas custa trabalho. Por isso há quem prefira continuar a comer fiambre.
Artigo originalmente publicado a 13 de Dezembro de 2015.