In Executive Digest
Quando se pede a uma criança para definir o que é uma pessoa rica é natural ouvir dizer: é uma pessoa que “tem muito dinheiro”, “pode comprar o que quiser” ou “tem coisas caras”.
As crianças confundem riqueza com capital acumulado. Afinal o que distingue os seus pais dos pais dos outros meninos é que o multibanco dá mais dinheiro a uns do que a outros, e é com esse dinheiro que elas podem ou não comprar o que querem e precisam.
Para elas o dinheiro não é um sinal de riqueza, ou uma consequência dela, mas sim a riqueza em si mesma, que deve ser distribuída por todos de acordo com o critério justiça. Assim, é injusto um irmão receber mais mesada do que outro, porque ambos são irmãos. É injusto precisar e não ter, querer e não ser dado. Partem do princípio que existe uma quantidade fixa de riqueza disponível e que é na repartição que está o ganho.
Como o dinheiro é uma manifestação objectiva de riqueza, torna-se difícil explicar às crianças que ele é, no máximo, um critério de sucesso na aplicação desta e que a verdadeira riqueza é imaterial, que é um potencial de geração de valor que existe em cada um de nós e que pode ou não ser colocado ao serviço de uma actividade que produza dinheiro.
A maioria das crianças entende que duas pessoas que trabalhem o mesmo número de horas ganhem salários diferentes, desde que as respectivas tarefas difiram em responsabilidade e complexidade. Mas poucas aceitariam com facilidade que não houvesse um tecto nessa diferença. O dia de trabalho de uma pessoa pode valer cinco vezes mais do que o dia de trabalho de outra, mas pode valer cinquenta, cem, trezentas vezes mais? Onde colocar o limite? Para as crianças tem de haver um limite, já que quando comparam o dinheiro que vai para cada bolso, certas diferenças lhes parecem obscenas, porque vêem a riqueza como uma medida do valor de cada um.
Não é simples explicar às crianças que há determinadas competências que poucas pessoas no mundo têm, já que com a sobrepopulação que vamos tendo imaginam que haverá certamente uma horda de gente com o mesmo perfil. E se quinze pessoas fazem sempre mais trabalho que uma, porquê pagar vinte vezes mais a alguém?
Na sua pouca experiência, as crianças têm dificuldade em encaixar que a riqueza que existe no mundo empresarial é ilimitada; que depende sobretudo da capacidade que os diferentes actores têm para a gerar a cada momento; que existe mais riqueza do que aquela que conseguimos transformar em dinheiro; que os únicos limites ao ganho individual são os que o mercado dita como possíveis a cada momento; que na vida adulta não há pais para distribuir o dinheiro que têm no bolso; que se não tivermos capacidade de gerar valor não receberemos dinheiro; que mesmo que a tenhamos, a escolha das nossas actividades determina a quantidade de dinheiro recebido; que o nosso potencial de geração de valor estará sempre a ser comparado com o dos outros e que quem paga por ele escolhe livremente a quem pagar; que se não nos responsabilizarmos por ser ricos ninguém o fará por nós.
Explicar tudo isto já é difícil, mas demonstrar que existem pessoas com uma capacidade de geração de valor imensa que não têm muito dinheiro porque, por escolha própria, a aplicam em áreas que não são especialmente rentáveis, e que portanto não devem ser julgadas pelo que amealham mas sim pelo seu valor intrínseco, é ainda mais ambicioso.
Mas, também, quantos adultos entendem e vivem de acordo com o que aqui foi escrito?
Artigo originalmente publicado a 28 de janeiro de 2018