In Executive Digest
Em todas as empresas há um sistema que faz as coisas acontecerem. Este sistema é uma arquitectura de normas, regras implícitas e explícitas, relações de cooperação e competição, alianças temporárias e permanentes, contra adversários de ocasião ou inimigos figadais. Há espaços e territórios a defender, prerrogativas conquistadas que só se mantêm à custa de linhas defensivas e paredes de vidro que ninguém vê mas que toda a gente sente.
Há chefes formais e líderes informais, influenciadores e políticos, agiotas de favores e otários agradecidos, falsos bons e genuínos maus, profissionais bem-intencionados e incompetentes mal-encarados. A taxonomia da fauna organizacional nunca está terminada. Novas espécies surgem constantemente no ecossistema da empresa à medida que esta evolui.
E um belo dia alguém tem uma ideia. Uma ideia tão atractiva que alguém decide transformar num projecto de mudança. Não há nada pior do que mudanças quando se granjeou um território próprio dentro da empresa. Especialmente as que não são decididas ou controladas por nós. Se o sistema que nos trouxe ao poder muda, quem está no poder também pode mudar.
Para manter o status quo foi aperfeiçoada a nobre arte do boicote. As suas aplicações são infinitas como a criatividade humana. Tentarei apesar disso apontar os exemplos mais comuns de práticas a usar contra qualquer mudança que lhe seja proposta.
1. Não há mudanças inofensivas. Mesmo a mais pequena alteração de processos, sistemas ou funções pode colocar a nu fragilidades de competências que seria melhor esconder. Por princípio oponha-se a todas as mudanças sem olhar a dimensão, tipo ou proveniência.
2. Desacredite por palavras simples o projecto. Levante toda a espécie de objecções técnicas, comportamentais ou filosóficas à sua implementação. Mas tenha o cuidado de afirmar a sua posição como a de alguém que coloca as dificuldades para que possam ser superadas, embora jamais dê qualquer contributo para essa superação.
3. Não dê exemplos positivos. Sempre que possível ridicularize os tansos que agem a favor. Crie desconfiança sobre as reais intenções deles através de boatos simples: “Não acham estranho que fulano esteja tão activo neste projecto? Acham que ele sabe coisas que não sabemos? Ou será que lhe foi prometido algo?”
4. Jamais forneça recursos. Coloque sempre as decisões a favor da mudança em dicotomia contra acções estratégicas da empresa. “Se dedicarmos recursos a isso, como é que vamos realizar estas coisas importantes pelas quais somos medidos e que o nosso CEO tanto aprecia?”
5. Culpe a mudança pelos seus erros. Como se sabe, qualquer mudança depende de ajustamentos a serem feitos por quem a implementa. Quem consegue provar que as suas falhas não se devem ao mau desenho do projecto?
6. Crie ameaças imaginárias à mudança e procure influenciar o maior número de pessoas que conseguir. Se ligar o projecto a fantasmas universais como o desemprego, o controlo abusivo, a perda de poder ou de competências, o boicote está garantido.
7. Convença outros a exprimir as suas ideias próprias negativas ou utilize palavras deles para expressar a sua preocupação com o projecto.
8. Mantenha a face a todo o custo. Perante os patrocinadores do projecto você deve permanecer um “bom rapaz.”
9. Puna quem implementa ou premie quem não implementa, justificando as suas acções com critérios objectivos ad-hoc. Ainda que incoerentes, ninguém pode objectar.
10. Diga que sim mas não aja. A simplicidade e elegância da mais antiga forma de boicote continuam a funcionar na perfeição.
Artigo originalmente publicado a 28.11.2014